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Seu Ataíde:
Um personagem marcante na história da Estiva em Itajaí
 

Pouca gente sabe, mas o serviço de transporte de passageiros na travessia do Rio Itajaí Açu entre os municípios de Itajaí e Navegantes já pertenceu ao Sindicato dos Estivadores de Itajaí. Essa é uma das lembranças do seu Ataide Juvenal Mafra, um estivador que impressiona pela disposição e lucidez incomum para alguém que, oficialmente, acaba de completar 90 anos de idade.

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Seu Ataíde diz que, na verdade, é um ano mais velho, pois teria nascido em 1931, mas só quando foi para a escola que o pai, Juvenal Pedro Mafra, o registrou como nascido em 02 de agosto de 1932. “Por causa disso, tive meu ingresso barrado no Sindicato da Estiva. Tentei entrar em 1952, mas naquela época só podia ser estivador quem tivesse mais de 21 anos e, nos documentos, eu só tinha 20. Por isso entrei como reserva e só tive meu ingresso aceito em 15 de dezembro de 1954”, explica.

Na comparação com o trabalho na estiva nos dias atuais e na década de 50, Seu Ataíde faz piada: “Hoje o estivador tá num escritório. Pode até ir trabalhar de terno e gravata”, afirma ele. E não é pra menos. Sem qualquer maquinário, o turno de oito homens precisava levar nos ombros toras de madeira de uma tonelada até o porão dos navios. “Não tinha guindaste ou trator. Descarregávamos as toras da carroceria, colocávamos a tora em andaimes e dali pra dentro do navio. Era um peso de amargar”, lembra.

A própria estrutura portuária era muito diferente da que temos atualmente. Ao invés de um porto estruturado, cada madeireira possuía o seu Píer. Seu Ataíde lembra que o Porto começava defronte a Praça Vidal Ramos, onde ficava o “Pier do Souza”. Depois vinham, na ordem, os cais da Companhia Malburg, o Almeida, o Bauer, o Miranda, o Costeira, o Loyde Brasileiro e, por fim, o cais do Felipe Reiser, onde hoje ficam os berços do atual terminal itajaiense. “Lá pra cima ainda tinha os píers do Nogueira, dos Bornhausen e da Navita”, cita.

Um fato marcante na história da Estiva, segundo Seu Ataíde, aconteceu no ano de 1957, quando o Governo Federal determinou que os Ex-combatentes que defenderam o Brasil durante a Segunda Guerra Mundial, fossem associados ao Sindicato dos Estivadores. “Isso deu um aspecto de autoridade militar para a Estiva, que perdurou durante muitos anos”, enfatiza.

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Outra característica marcante da atividade de estiva no decorrer dos anos foi o tipo de carga movimentado pelo Porto de Itajaí. Os anos 50 e 60 foram marcados pela movimentação de toras de madeira. Em 1974 começou a aparecer o fumo. “Era um sacrifício! Trabalhávamos em bloco de quatro homens para erguer fardos de 200 a 300 quilos de fumo”, fala seu Ataíde. Os anos 80 foram marcados pela movimentação de fécula, logo substituído por cargas de açúcar e de frango, até que as mercadorias passaram a ser embarcadas em contêineres.

FUTEBOL – Seu Ataíde também se lembra que o futebol, para os estivadores, era tão importante quanto o trabalho. “Tínhamos um time que disputava até o Campeonato Catarinense. Se alguém era bom de bola, acabava virando estivador”, declara. Seu Ataíde chegou a ser campeão pelo Estiva, mas confessa que nunca entrou em campo. “Eu era terceiro goleiro do time e nunca houve duas substituições de goleiro”, explica.


Um dos jogos mais marcantes para Seu Ataíde foi no campeonato catarinense. À época, os dois times mais fortes do Estado eram o América, de Joinville, e o Comerciário, de Criciúma. A partida foi contra o comerciário e o Estiva estava perdendo de 2x0. Aos 40 do segundo tempo, o “Geninho” entrou no time e fez a diferença, empatando o jogo que já era considerado perdido. O time que fazia a diferença do Estiva na década de 50 contava com craques como Tuca, Renaux e Maru; Careta, Geninho e Pão; Dido, Couto, Ari, Morgado, Zico e Ieé. O time era presidido pelo Chico da Fina.

FERRY BOAT – Para seu Ataíde, uma das grandes perdas para os Estivadores foi o Ferry Boat. Ele explica que em 1967, a Caixa Beneficente da Estiva foi autorizada pelo Capitão dos Portos, Sérgio Lima Ipiranga dos Guaranis, a explorar a travessia de passageiros pelo rio Itajaí Açu. O trabalho era feito por uma lancha com capacidade para 200 pessoas, que, em agradecimento ao capitão dos portos, foi batizada de “Capitão Guaranis”.

Ocorre que o Sindicato dos Estivadores e a Caixa Beneficente dos Estivadores tinham duas diretorias diferentes e os conflitos eram constantes. Depois de cinco anos realizando o serviço, a Caixa vendeu a lancha e transferiu a autorização para a família do Joaquim “Quinca” Alves, que havia vendido apartamentos em Santos/SP e se transferido em Itajaí para operar o negócio que, mais tarde, se tornaria o Ferry Boat.

Outra lembrança de Seu Ataíde foi a primeira vez que aportou em Itajaí um navio carregando Sulfato. Foi um trabalho árduo, em que os estivadores praticamente viraram a noite, trabalhando das 19 horas até às 5 da manhã do outro dia. O trabalho era altamente nocivo e o pessoal carregava sacas de 60 quilos de sulfato, sem usar qualquer tipo de equipamento de proteção. Era difícil até de respirar no porão do navio e, quando chegou o momento de receber pelo serviço, os trabalhadores souberam que a carga foi classificada como “gênero alimentício”, cujo valor era bem mais baixo. “Foi preciso entrar com uma reclamatória. Felizmente, o Delegado do Trabalho à época, Dr. Artur Jacinto, deu ganho de causa aos estivadores e recebemos um pagamento de R$ 932,00, o que nos deixou bastante satisfeitos, pois o salário mínimo de então era de R$ 135,00 (levando em consideração a moeda atual)”.

Seu Ataíde se aposentou da Estiva em 1983, após cair no porão de um navio e quebrar os dois pés. Conseguiu se recuperar e, mesmo aposentado, voltou a trabalhar permanecendo de 1994 a 2002, quando se retirou definitivamente. Foi casado com Carolina Seára Mafra (que faleceu há sete anos), com quem teve três filhos: Isabel Cristina Mafra Teixeira, Ilselena Mafra Branco e Eduardo José Seára Mafra – que seguiu os passos do pai e também se tornou estivador. Em casa e de bem com a vida, Seu Ataíde gosta de relembrar os fatos e os personagens que, junto com ele, ajudaram a construir a história do Sindicato dos Estivadores de Itajaí.

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